O Bairro Alto foi o ensaio e incubadora da modernidade em Portugal, mas, como qualquer jovem noiva fresca portuguesa, engordou, alargou, desgrenhou-se, numa palavra, desmazelou-se!
Durante anos fui lá diáriamente às noites, ou noctivagamente todos os dias, jantar, sair, passear pelas ruas.
Entre as 10 e as 4 passava no Pap'Açorda, no Casanostra, nos Três Pastorinhos, No Frágil, no Nova, no Keops, no Café Diário, no Targus, nos Mini Stars, e noutras capelinhas menos conhecidas que iam abrindo e fechando, e passando de mão.
Assistia-se ali todos os dias à chegada a Portugal de novas correntes, novas modas, estéticas, musicais, comportamentais, costumes e vícios, ali nascia a mudança de costumes e apareciam novas tribos.
Havia quem consumisse substâncias ilícitas, óbviamente, com o encanto e o charme discreto de quem pisa o risco e ultrapassa a linha. Sabia-se quem, de confiança, vendia o quê, e o processo de tráfico tinha um aceitável grau de fiabilidade e obedecia a um código de honra.
Abriam-se mentalidades!
Podia-se estacionar, havia quem lá vivesse e gostasse!
E ao mesmo tempo o ambiente era familiar, toda a gente se conhecia, ao menos de vista, e se cumprimentava, e fazia gosto nisso, à boa maneira só portuguesa.
Bebia-se uma unha em cada casa, fazia parte, o que assegurava boa onda permanente e generalizada, que o staff garantia.
Aos poucos, aí por 2002 / 2003, comecei a ir menos. Deixou de haver um roteiro por dias de sítios garantidamente fortes, começou a haver arrumadores, esquinas escuras de segurança muito duvidosa, e uma frequência estéticamente arrasadora, que não estava ali para se divertir.
Sentia-se a debandada geral dos pioneiros.
Ainda insisti, por pena de que acabasse, e garanto que fui muitas segundas-feiras ao Frágil com 3 ou 4 pessoas no total.
Num ápice o Bairro, como agora é chamado, foi invadido por hordas de gente incaracterística, com muito mau aspecto, sem a menor graça, e que está ali porque está na rua, e pode-se, bebe mais barato comprando na candonga, comporta-se mal em público, é vulgar e suja, lida mal com a diferença, é provocadora e arruaceira.
Há armas.
E há a invasão generalizada do tráfico despudorado, em que os dealers abordam desabridamente os transeuntes a perguntar "Queres coca ?", sendo impossível fazer um percurso de 100 metros sem três ou quatro abordagens destas.
Além disso, os dealers claramente não têm a menor noção de marketing, crítica aliás extensível aos donos de algumas discotecas, pois não entendem que o fornecedor com ar ameaçador deve entrar pela porta de serviço, que é a das traseiras, porque dá mau aspecto à casa, tem códigos de diversão diferentes do cliente, ou melhor, tem um ar exclusivamente de traficante marginal que, pura e simplesmente, obsta à diversão.
Ontem voltei ao Bairro Alto.
Apanhei trânsito às 10h30 da noite, com o festival de táxis que deambulam como moscas nas imediações. Estacionei no parque da Rua da Misericórdia, a 70 cêntimos à hora. Vi arrumadores a enervar os estacionantes. Na subida até à Rua da Atalaia eu e as duas pessoas que iam comigo fomos interceptados 5 vezes por dealers seca, que não se ficam com a primeira nega.
À saída, por volta da 1h, magotes de indigentes de espírito exibiam corpos brancos e mal tratados em toilettes de calções, chanatas, decotes, com ares de pouco asseio.
Apesar de ser verão e de as ruas estarem cheias, estavam claramente mal cheias!
Os dealers são uma praga total, estão estratégicamente nas esquinas, têm contacto visual com o da esquina seguinte, controlam a sua quadrícula do território, e usam telemóveis como auxiliar de logística.
Qualquer polícia no meu lugar, bastava querer, podia ter feito 5 ou 6 detenções em flagrante delito de tráfico.
Aliás, podia tê-lo feito aqui há uns anos, para o Bairro Alto não ter chegado ao estado a que chegou.
Gorda, larga de ancas, desgrenhada, desmazelada!
Quero o divórcio!
Mas, como verão no próximo post, ainda assim valeu a pena...
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