Nos anos 70 os teenagers não tinham as facilidades de hoje em dia. Bem sei que os cigarros não eram tão caros, mas também não tinhamos semanadas que nos permitissem sustentar o vício.
Então eu e os meus dois irmãos rapazes instituimos um sistema que nos permitia fumar ao ritmo desejado, reduzindo em 2/3 o número de cigarros gastos.
Básicamente, por cada três cigarros apetecidos, o dono do maço apenas acendia um.
Vejamos: de cada vez que algum de nós acendia um cigarro, o primeiro dos outros que disso se apercebia gritava bem alto "Dá-me a bia !", ficando automáticamente com direito às quatro últimas passas do já curtíssimo SG Filtro.
O pior que podia acontecer, e geralmente acontecia, era o terceiro então pedir ao segundo "dá-me a bia da bia", o que obrigava este a refrear-se na duração e intensidade das suas quatro passas para não aquecer muito o então já supositório, passando ao derradeiro uma sumidíssima beata, que antes de chegar ao muito prensado filtro já só tinha uns parcos vestígios de tabaco por queimar, mas que saciava o apetite por mais algum tempo.
No fundo o segundo e terceiro fumadores faziam algo parecido com o que no mercado de capitais se chama 'compra de futuros'. Mas apenas a curto prazo, pois no nosso sistema não valia reservar futuras "bias" ou "bias de bias" de cigarros ainda não acesos.
Quer isto dizer que o acto de fumar era, entre nós, altamente policiado, pois tinhamos que estar atentos ao acender do cigarro dos outros, que naturalmente não avisavam, e depois controlar, o segundo, a dimensão da "bia", e o terceiro, a dimensão e o estado da "bia da bia".
Mas havia entre nós um forte código de honra e de respeito, já que aquele que não respeitasse os futuros adquiridos dos outros, sabia de antemão que as represálias se fariam sentir impiedosamente sobre a sua próxima expectativa de aquisição.
A esta distância, verifico que fumar era, para nós, um pequeno inferno, factor de enorme stress, e a ideia do cigarrinho relaxante que se associa à ingestão da nicotina estava a anos-luz do que experimentávamos.
Talvez por isso, pela reminiscência traumática, é que o Pedro deixou de fumar, e o João já não fuma dentro de casa !